terça-feira, 3 de agosto de 2010

Forgive and forget





Você está procurando uma nova casa para morar. Você é bastante exigente e deseja uma casa com quintal e dois quartos em um bairro descente. Você está procurando esse lugar há meses, já visitou várias cabeças-de-porco, barracos disfarçados e outros absurdos que algumas pessoas insistem em chamar de lar.
Em uma manhã de sábado você acorda com o pensamento de que a próxima casa que agendou para visitar é a da vez. “She’s the one.” Você vê a casa e se apaixona. Uma bela casa, muito bem conservada, com uma varanda enorme e uma cozinha que cabe toda a família no Natal. Você pegas as fichas de cadastro e se promete encontrar todos os vários documentos que a imobiliária está pedindo para você arrumar em um fim de semana. Você convence um parente a ser seu fiador, dando todas as garantias de que jamais deixará de pagar o aluguel ou mesmo atrasá-lo um dia sequer, levando presentinhos e fazendo uma visita depois de tanto tempo sem aparecer por lá.
Você deixa todos os documentos que conseguiu juntar depois de dois dias de captura na bagunça das gavetas. Seus documentos e os do fiador estão separados em dois envelopes perfumados. Então você vai dormir sonhando com a casa, porque no dia seguinte ela será sua.
— Não precisa você ir à imobiliária amanhã, eu vou. Você tem de trabalhar, eu estou tomando conta da menina. Vou deixá-la com sua mãe e vou à imobiliária, não se preocupe.
— Não sei... Eu dou um jeito de ir...
— Não, pode deixar. Eu vou.
No relógio, 7h00.
— Não é melhor você acordar e arrumar logo a menina para deixar na minha mãe? A casa é muito boa não podemos perdê-la. Certamente outras pessoas se interessaram...
— Deixa de ser neurótica, a imobiliária só abre às nove.
Você sai de casa com o gosto da derrota subindo aos poucos pela garganta.
Preocupada, às 8h30 você liga para casa:
— E aí? Já está saindo?
— Calma, tô terminando de arrumar a menina.
— Ainda?! Cacete a gente vai perder essa casa!
— Que que você quer que eu faça?
— Eu queria que você tivesse acordado mais cedo...
E então não dá tempo e alguém entrega a ficha de cadastramento na sua frente. Você perde a casa.
...
Eu tenho dezenas de defeitos, e meia dúzia de qualidades. Quando eu era mais jovem não estava nem aí para os defeitos, achava que tudo era qualidade. Mas conforme o tempo passa, alguns defeitos vão se tornando insuportáveis até mesmo para mim.
Perdoar e esquecer. Eu tenho de treinar isso o tempo inteiro. Quando uma ofensa se institui, quando algo não sai do jeito que eu imaginava, uma ação deliberada...
Eu tento exercitar esse hábito. Procuro pensar que às vezes a gente perde para ganhar algo melhor lá na frente. Isso dura alguns segundos... No segundo seguinte eu já estou pensando em dar umas chibatadas em alguém.
Eu tento muito ser Jesus Cristo. Incrível é seu poder de perdoar. “Eles não sabem o que fazem”. Então, não façam. Dar a outra face, multiplicar os pães, perdoar traições e negações... Como fazer isso? Isso existe? Qual é a fórmula para não ficar muito puta e não amaldiçoar toda a geração de alguém que te sacaneia ou que, tolamente, estraga todos os seus planos em apenas alguns segundos?
Não dá pra ser Jesus. Por mais que a gente tente, se esforce e se sacrifique. Esse cara era único. Já eu, sou mais uma pecadora.
Se eu não consigo ser Jesus, mas admito que não posso viver eternamente carregando um baú de mágoas, eu gostaria de poder pedir que não me machuquem mais. Não estraguem mais meus planos, não me sacaneiem. Não hajam como tolos ou sejam preguiçosos perto de mim ou para mim.
Impossível, não? E se alguém estiver pedindo neste momento para que não ajam com autoritarismo e rancor? E se alguém tiver pedindo que se afastem aqueles que não podem perdoar? Terei de ir para o limbo.
Então eu não sou Jesus e não quero ir para o limbo. Eu quero ter mais paciência. Eu quero acreditar que posso perdoar e esquecer e, assim, prosseguir tentando. Deixar a mágoa de lado, como se alguma outra pessoa pudesse se encarregar de afastá-la de mim para que não exista esse peso em meus ombros e eu possa olhar para o alto e avante!
Não só perdoar. Não só esquecer. Mas não permitir que a mágoa me cegue e me leve sem escalas para o limbo. Não dá pra pedir que não estraguem tudo. Sempre tem alguém para estragar, algum fermento cheio de fungos que vai solar seu bolo. Já que isso é impossível, só peço que me deem paciência e ânimo para perdoar e esquecer.

Um comentário:

  1. Um presente para você. Uma frase que minha tia recebeu da sobra, me passou e eu repasso para você. Imprima em caixa alta no cérebro, em negrito e com marcador fosforescente: AS PESSOAS SÓ FAZEM COMO VOCÊ O QUE VOCÊ DEIXA.
    É claro que que não dá para aplicar a frase o tempo todo, mas aplico a maior parte do tempo.

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