quarta-feira, 17 de março de 2010

A lição do sapato errado



Olho para minha sobrinha de 9 anos e fico boquiaberta em como essas crianças de hoje estão se comportando. Ela compra sapatos em lojas para adultos. Saltos e cores variadas, roupas que eu só pensei em usar aos 18 anos. Ela já tem um celular e uma conta no Orkut e quer que eu entre no Colheita Feliz.
Não reprovo a educação de minha irmã. Nessa idade a gente quer mais é fazer parte, se integrar. Nessa idade e em todas as outras. A gente só não quis se integrar quando estava no útero (Só tem espaço pra um, meu irmão! Ainda vem um tal de gêmeo?) Enfim, eu fico apavorada. Ok, isso é normal, faz parte da evolução antropológica, tecnológica, consumista, social etc. Mas a criança vem com a ideia agora de ser estilista quando crescer. Na minha época, se alguém me perguntasse o que eu queria ser quando crescer, a resposta era professora ou médica. Jornalista veio depois, quando entrei na fase de rebeldia — que não foi aos 12 anos.
E agora a criança quer usar minha maquiagem importada. Meus Victoria’s Secret. O Carolina Herrera. É o que eu chamo de geração saúde, ela sabe o que é bom.
Tanto é que vou chamá-la agora para fazer compras comigo. Quem sabe ela pode arrumar seu primeiro emprego, aos 9 anos, como personal stylist. Pago 20 reais. Por mês. (O jovem tem de começar de baixo, já dizia mamãe.)
Eu deveria tê-la contratado no dia em que me deu uma louca e saí atrás de um sapato preto. Antes devo confessar que eu muitas vezes surto (e isso está acontecendo esta semana). Quando chega determinada estação eu cismo que não tenho a roupa, o sapato, as bijus, ou a cor de cabelo adequada para a época do ano. Por exemplo, estamos nos aproximando do inverno. E eu ainda não tenho um scarpin preto descente! DEUS-ME-LIVRE eu sair de casa de sandália no meio da chuva! Com os dedos molhados ficava a sua avó.
Então, eu rodei as lojas do meu bairro atrás de um sapato que me agradasse, sem êxito. De repente, avistei um ao longe, sem ver o nome da loja. Ao me aproximar, os sacos plásticos cinza e as vendedoras descabeladas não deixavam dúvidas: eu estava na Di Santinni. Deu-me certo pânico, mas eu resolvi enfrentar as crianças que corriam e berravam, as clientes ocupando 10 bancos de uma vez, a infinidade de tênis de marcas desconhecidas espalhados pelo chão e os vendedores atropelando uns aos outros. Eu queria me esconder, para nenhuma amiga ou nenhum parente me ver ali. Entrei e fiquei no fundo da loja.
Tive que correr atrás de um vendedor, porque estavam todos correndo também. Subindo e descendo freneticamente. Uma verdadeira corrida de obstáculos. Pedi o sapato.
— É aquele ali, preto, 37.
— O com verniz?
— Nãoooooo, digo, não, querido, o opaco — olha para a minha cara e vê se eu uso sapato com verniz?
Quinze longos minutos depois, o vendedor me encontrou.
— Aqui está. Sapato marrom, 38.
— Querido, eu pedi preto, 37.
— Não temos mais o preto 37. Trouxe esse marrom 38 do mesmo modelo e outros modelos iguais, na cor preta para a senhora...
Ninguém pode imaginar o show de horrores que eram os outros modelos pretos. Ah, ele trouxe o preto com verniz.
Bom, para encurtar a história que já está longa, comprei o marrom 38. Usei-o por dois dias. No terceiro dia de muita chuva, ao voltar para casa num 266 apinhando de gente, deixei um pé do sapato dentro do ônibus. Na loucura de tentar recuperá-lo, o bendito ficou em frangalhos. Minha irmã me aconselhou a trocar. Mas por qual? O com verniz? Nem pensar!
A moral da história é: não aceite conselhos de moda de vendedores da Di Santinni. Chame sua sobrinha (ou qualquer garotinha de 9 anos que esteja passando no momento) para ajudá-la a comprar um. Sem verniz, por favor.

terça-feira, 16 de março de 2010

Pessoal e intransferível



Você recebe um cartão de crédito que você não pediu, de um banco do qual você não tem conta, diretamente na sua casa, como seu nome completo, endereço, CPF, RG e resultado do exame de urina. Você não entende como todos os seus dados foram parar nas mãos ou nos bancos de dados desses caras. Mas lá está mais um cartão de crédito, lindo, reluzente, desejando desesperadamente ser mais um em sua carteira superlotada.
Por sorte, sou uma pessoa vacinada. Muitos zeros de limite não me convencem mais. Outros benefícios são essenciais, como não pagar a anuidade, ter desconto no cinema etc.
Essa invasão de privacidade me preocupa e me entusiasma ao mesmo tempo. Eu não quero que ninguém fique sabendo meu endereço e me bombardeie com cartões de crédito, de Natal; revista Seleções, pedidos de assinatura e de dinheiro. Mas ao mesmo tempo eu quero que todo mundo saiba sobre minha última viagem a Buenos Aires, minhas férias na Bahia, o churrasco de aniversário da minha mãe. Quero que todo mundo saiba onde eu trabalho, se estou solteira (sim, estou), quem faz parte da minha família, quem são meus amigos (e quais não são); enfim, no meu Facebook, no meu Twitter e no meu Orkut existem informações suficientes para que todo mundo saiba quem sou eu, ou quem eu desejo ser.
Talvez isso não me dê nenhuma moral para reclamar com o banco sobre o envio de um cartão de crédito. Mas eu tenho todo o direito do mundo de dizer quando, onde e como obter informações a meu respeito, se eu quero que essas informações sejam divulgadas etc.
A bem da verdade eu tenho um respeito muito grande por essas pessoas que conseguem administrar dezenas de contas em redes sociais; sinceramente, acho isso muito louco e, talvez, desnecessário. Eu tenho uma conta no Orkut há muitos anos, mas agora que descobri o Facebook (é, só agora), não consigo fazer outra coisa. O Twitter também me agrada, embora eu não tenha muito tempo de ver as twittadas dos outros. E, assim como tudo na vida, o Orkut está passando. Eu olho para o meu Orkut e penso, como fui capaz de me expor assim?
Como diz um sábio, assim como são as pessoas são as coisas. Então, o Orkut vai passar. E depois o Twitter, e depois o blog... Surge o novo, o velho morre. Vai com seus outros companheiros para o limbo, afastando-se da manada.
E ficam as milhares de fotos, os montes de scraps e recadinhos afogados entre outros tantos. Queremos mais, queremos benefícios, exclusividade, interatividade e... privacidade. Dá pra entender esse mundo?
Minha senha é pessoal e intransferível. Mas meu nome, meu endereço, minha vida íntima, não é. Bem-vindo ao novo mundo, darling! Diga sim à invasão de privacidade!