quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Dinheiro pra que dinheiro?


Lembro de meus dias de miséria (hoje eu posso me considerar apenas pobre) em que eu passava as férias em Saquarema à custa de algum familiar ou em Arraial do Cabo fora de temporada com uns trocados que juntava durante um ano de trabalho.
Vêm a minha memória os carnês de cartão de crédito de limite máximo 200 reais, cujas especificações de loja diziam 2/10, 1/12... Recordo com pesar as roupas de lojas de 1,99 que se esgarçavam na primeira lavagem, as bolsas da feirinha do Méier e os brincos de biju comprados na Saara.
Lembro também meus dias gloriosos em que uma refeição de luxo era a promoção do Big Mac.
Diante disso, eu jamais poderia sonhar em comprar uma bolsa de couro legítimo, uma joia realmente de um metal nobre, uma passagem de avião ainda que na classe econômica...
Hoje eu cheguei à feliz conclusão de que dois anos foram suficientes para elevar meu nível. Meu cartão de crédito ainda vem com 2/10, 1/12... mas os valores são mais altos e as lojas mais refinadas. Eu só compro baby doll nas lojas de 1,99 porque são mais confortáveis. Os dias em Saquarema ficaram marcados apenas em fotos amareladas escondidas em caixas de sapatos; talvez eu volte lá para comprar biquínis nos outlets.
Ainda que toda essa parafernália nova que me rodeia me faça feliz por alguns contados minutos do meu relógio portenho, ainda resta aquele vazio... O vazio da insatisfação. É engraçado que quando você está na sola, qualquer grana é grana, qualquer trabalho é trabalho e qualquer lugar é lugar. Quando você adquire um ínfimo status, você já começa a torcer o nariz para notas de 50 reais, rejeita trabalhos que irão te “sacrificar” muito e não vai mais à casa daquela sua amiga em Marechal Hermes (a não ser que seja uma ocasião importante, afinal, ela é sua amiga, ou que alguém te leve até lá).
Quando você começa a pensar que morar na Tijuca é mais chic que morar no Méier, você já está sofrendo do mal do pobre metido. E mesmo você saindo daquela cobertura da sua mãe no Méier para morar com uma amiga num quarto e sala na Tijuca, não se iluda, você continua sendo pobre.
Voltando à questão da insatisfação, quando se está na sola, não rola muito problema em aceitar qualquer tipo de programa de fim de semana, até mesmo comer um podrão em Marechal Hermes. Então eu lembro que todo fim de semana, lisa e tesa, eu requebrava meu esqueleto em algum baile ou engordurava meu fígado em alguma esquina. Não posso nem dizer que o problema é a idade, porque tem gente de 60 anos requebrando o esqueleto por aí. O problema é que quando você adquire o status de pobre metido, você simplesmente não quer se enfiar em qualquer lugar calorento e cheio de gente feia, então você espera que surja um programa bom o suficiente para sua aparência e barato o suficiente para seu bolso. E as duas coisas dificilmente andam juntas. Daí bate aquela insatisfação enorme de ter várias roupas lindas compradas a duras penas em seu cartão de crédito, penduradas no armário se entupindo de teia de aranha e traça, até porque você não vai querer levar sua bolsa chiquerésima num lugar mais ou menos.
Quando te dá uma louca de sair desembestada, você passa a semana toda sonhando em ir naquele barzinho fofo e cheio de caras de camisa social do Leblon. Daí você entra na Internet e pesquisa quais serão as atrações do fim de semana e vê os preços das bebidas. Manda scraps e recadinhos no twitter para 10 amigas. Das 10, apenas duas se interessam, as demais ou estão sem grana ou preferem ir ao baile em Marechal Hermes. Então você reza para que essas suas duas amigas não desistam; manda mais scraps e tweets. Você liga na quinta-feira para confirmar e elas dizem que é muito caro, que é melhor sentar no bar da esquina na Tijuca e pedir uma porção de batatas fritas. Você fica sem saber se é melhor escolher outro lugar ou escolher outras amigas.
Como já estou há algum tempo frequentando o high society dos pobres metidos, posso atestar que essa insatisfação é passageira. Logo, logo suas amigas te acompanharão aos bares fofos do Leblon, dividirão um quarto em um albergue em Paris ou uma cebola no Outback. É questão de tempo e de um pouquinho de sorte por parte de suas amigas. Mas se realmente não for essa a sua visão, se suas amigas vão te decepcionar ao ponto de não terem um cartão com limite de mais de mil reais, conforme-se. Vai ser difícil arrumar amigas melhores, então pegue um táxi e vá para Marechal Hermes.